Diferentes sistemas de produção de ovos: quão livres são as galinhas criadas ao ar livre?

Em Portugal, existem quatro sistemas de produção, cujas condições básicas estão definidas no Decreto-Lei n.o 64/2000 de 22 de Abril.

Créditos fotográficos (imagem de capa) © Human Cruelties

A tendência atual é de obsolescência da produção em gaiola pois, cada vez mais se tem tornado evidente a preocupação do consumidor com o bem-estar dos animais de produção. Contudo, muitos parecem ser os mitos que acompanham a descrição dos diferentes sistemas de produção, levando a que o consumidor ainda não tenha a informação concreta acerca do produto final que consome.

A crença geral (e crescente) é a de que a produção em sistemas alternativos (solo, ar livre e bio) proporciona às aves exploradas uma vida plena de liberdade e felicidade. Os cidadãos europeus já demonstraram até que estão dispostos a pagar um preço mais elevado, por um produto animal com standards mais altos de bem-estar[1].


1. Quais são as principais diferenças entre os sistemas de produção?

Gaiola 🢓

  • Dezenas de galinhas dividem uma gaiola, cujo espaço mínimo é de 750 cm2 para cada;
  • Ninho e 15 cm de poleiro;
  • Mínimo de 20 cm de altura.

Como já sabemos, as explorações em gaiolas têm os dias contados na UE (embora Portugal ainda seja um dos países com maior percentagem de produção de ovos neste sistema de produção2 ), tendo vindo a receber duras críticas em relação às condições de bem-estar (ou falta delas) que proporciona às aves e de como as limita a desenvolver os seus comportamentos mais naturais (debicar, raspar, abrir as asas…), graças ao espaço reduzido que disponibiliza por galinha – 750 cm2 que, é pouco maior do que uma folha A4 (com 630 cm2) [3].

Solo 🢓

  • Um ninho para cada 7 galinhas;
  • Galinhas fechadas em pavilhões durante toda a sua vida;
  • 9 galinhas por m2.

As galinhas criadas no solo vivem fechadas em armazéns sobrelotados, com luz e ventilação artificiais. Os dispensadores de comida e água estendem-se por corredores paralelos. Estas aves não têm acesso ao exterior e nunca irão pisar a terra. A cama deve ter uma profundidade que permita a realização do banho de pó e deve ser composta por um material adequado que se mantenha em boas condições. Contudo, determinados problemas de saúde (especialmente lesões nas patas, membros e peito) detetados no post-mortem nos matadouros, provam que isto nem sempre lhes é garantido.

Ar livre 🢓

  • Idêntico ao anterior;
  • Galinhas dentro de pavilhões com pequenas portinholas para o exterior;
  • 2 metros de abertura por cada 1000 galinhas.

Os sistemas de produção de Ar Livre e Biológico são muito semelhantes, sendo que a principal distinção é a alimentação.

Galinhas criadas ao ar livre, não são tão livres quanto isso. Dispõem de um pavilhão fechado onde pequenas portas se abrem para que explorem o espaço exterior.


2. Qual destes sistemas proporciona maior bem-estar?

Um estudo realizado recentemente (2021)4 evidencia que o uso do espaço exterior pelas galinhas, é desigual. Refere que algumas galinhas nunca chegam a sair dos pavilhões. Este facto, acrescentado à alta densidade no interior do pavilhão, “pode causar problemas de saúde e comportamentais, como deterioração da cama, aumento do nível de parasitismo, aumento do stress térmico no pavilhão durante o verão e aumento de comportamentos agressivos” [4]. Vários estudos têm vindo a ser conduzidos de forma a explicar essa disparidade no uso do exterior, sendo analisados os fatores idade, género e raça da galinha. Recentemente, os estudos têm-se centrado em características individuais, tais como, quão corajoso e curioso para explorar é o animal, evidenciando assim as habilidades cognitivas.

Galinhas mais assustadas e ansiosas tendem a não sair do pavilhão. Isto mostra-nos que a personalidade de cada galinha influencia o uso exterior.

Neste mesmo estudo, através de vários exercícios com as aves, entende-se que as galinhas associam o pavilhão a comida, podendo ser este um dos motivos pelos quais não saem do mesmo.

Alguns dos problemas avançados em estudos na área mencionam que, nos sistemas alternativos, os animais:

  • Estão mais vulneráveis à propagação de doenças e parasitas;
  • Morrem por asfixia por se “empilharem”;
  • Estão sujeitos a ataques de predadores;
  • São expostos a doenças transmitidas por animais selvagens.

Prende-se aqui um dilema ético, pois parece que nada do que fazemos garante o bem-estar:

De um lado, temos galinhas em gaiolas, infelizes, confinadas, presas, sem espaço para sequer esticar as patas e as asas.

Do outro lado, temos galinhas em sistemas alternativos que continuam a não garantir o seu bem-estar.

Isto implicaria o quê?
Mais alterações genéticas que levem à origem de uma poedeira “melhor” para cada sistema de produção? Para que nos sintamos mais confortáveis enquanto consumimos os seus ovos? Mas será que já não alteramos o suficiente a sua natureza em nosso proveito?

3. A perspetiva humana de bem-estar animal

Todas estas questões e crescentes alterações na forma como consumimos têm mostrado que procuramos um consumo mais consciente, empático, livre de crueldade animal. Daí que a indústria esteja a sofrer todas estas mutações. Contudo, se olharmos para a questão do bem-estar animal pela perspetiva do próprio, a nossa generosidade cai de forma tão rápida como a linha que os abate.

Porque olhamos para o bem-estar destas aves pela perspectiva humana? Somos capazes de perceber que não existe bem-estar na vida de um animal fechado numa gaiola, sem luz natural e ar fresco. Assim, tentamos criar soluções que (supostamente) aumentem o seu bem-estar, dando acesso ao ar livre. Fazemo-lo para que nos sintamos eticamente mais justos e que estamos a fazer o bem. Mais uma vez, continuamos a olhar para a questão sempre na perspetiva humana. Mas e se tentarmos olhar pela perspetiva da galinha? Pela perspetiva do ser vivo que efetivamente passa pela exploração, seja em que sistema de produção for?

Por mais altruístas que acreditamos que somos, continuamos a olhar para todas estas questões através da nossa noção de bem-estar, esse nosso olhar narcisista que nos impede de olhar para os animais como indivíduos e experimentar o mundo pelos seus olhos. Porque se o fizermos, a resposta é simples: não há bem-estar na exploração.


Em qualquer um destes sistemas, o sofrimento da galinha mantém-se. E, independentemente do sistema de produção, vale lembrar que os seus bicos são cortados e que permanece a questão: onde estão os machos?

Créditos fotográficos © Human Cruelties

Independentemente do local onde são criadas, todas estas aves têm o mesmo destino: o matadouro. A morte será igual para todas.

Vídeo:

Excerto do documentário "Dominion"

Play Video

Créditos fotográficos © Farm Transparency Project / Dominion

Texto da petição:

Pelo fim do abate de pintos machos

Reconhecemos que esta prática é cruel, inaceitável e desumana, devendo ser legalmente proibida. Consideramos ainda que tal método não se justifica e não é coerente com as políticas de Bem-Estar Animal que a indústria e a legislação portuguesa dizem implementar. 

Queremos ver esta prática abolida e incentivos à investigação de tecnologias mais compassivas na indústria.

Atenciosamente,

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